sábado, 10 de agosto de 2013

A REFORMA AGRÁRIA TEM NAS LIGAS CAMPONESAS A SUA PEDRA FUNDAMENTAL

           As ligas camponesas surgiram em Pernambuco na metade da década de 1950 e exerceram intensas atividades entre 1955, quando foram criadas, e 1964, quando ‘‘caiu” João Goulart. Surgidas na década de cinquenta com o fim de organização dos trabalhadores do campo em defesa de seus direitos, são justificadas pelas enormes dificuldades que enfrentavam para exercê-los através da criação de sindicatos em razão da preponderância do poder econômico sobre os seus direitos, conforme explica Ochoa (1989, p.5): "Dois fatores concorriam para dificultar a fundação de sindicatos no meio rural: a clássica resistência dos fazendeiros e latifundiários que se utilizavam de qualquer meio e, principalmente, da violência e da propaganda anticomunista, e os empecilhos legais decorrentes da ambiguidade da Portaria no. 14 do MTPS, de março de 1945. São essas as dificuldades que, na justificava de Julião, o levaram a preferir a organização em sociedades civis, como já assinalado."

           O movimento nasceu no Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão, estendendo-se, posteriormente, para a Paraíba, Rio de Janeiro, Goiás e outras Regiões do país. Anterior às ligas, outros movimentos existiram na região e, pelas evidências, tudo leva a crer ter recebido influências de líderes dos antigos núcleos. Sobre a criação das ligas, são muitas as versões a respeito. A mais lendária de todas diz ter a entidade o objetivo de arrecadar recursos para enterrar os mortos, antes depositados em vala comum. Outra versão assegura que a sociedade tinha finalidades assistenciais mais amplas, dentre elas destacando-se o objetivo de gerar recursos comuns para educação e saúde, e comprar adubos, visando a melhorar a produtividade das lavouras.

           Segundo registros, um filho do proprietário do Engenho Galiléia e outros fazendeiros, preocupados com as conseqüências da criação da liga e visando a deslocar a mão-de-obra sem utilidade imediata, aumentaram o preço do foro, que teve como reação a luta comum contra a medida e as ameaças mais diretas de expulsão. Naquele momento entra em cena o advogado Francisco Julião, que havia se notabilizado por uma original declaração de princípios em defesa dos trabalhadores rurais, a ‘‘Carta aos foreiros de Pernambuco”, de 1945. Julião os defendeu e muitos outros que lhe recorreram, o que culminou com a desapropriação do Engenho Galiléia, em 1959. A desapropriação do engenho repercutiu em toda a região e transformou o primeiro núcleo das Ligas Camponesas no símbolo da reforma agrária almejada pelos trabalhadores rurais.

           A decisão resolveu aquele conflito localizado, mas estimulou as lideranças do movimento a prosseguirem na luta em favor de uma reforma agrária radical que atendesse às reivindicações camponesas. Dali em diante as Ligas se expandiram rapidamente em Pernambuco, na Paraíba, no Paraná, Rio (Campos) e em outros Estados, com grande impacto político. Na Paraíba, as Ligas tiveram forte atuação, principalmente depois da morte de um líder no município de Sapé. A expansão das Ligas e de associações voluntárias, como a União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), explica-se pelas dificuldades políticas e burocráticas que durante muitos anos impediram a criação e o reconhecimento oficial dos sindicatos rurais. Somente a partir de 1962 esses sindicatos começaram a ter reconhecimento.

           As Ligas Camponesas representavam foreiros, meeiros, arrendatários e pequenos produtores rurais, que produziam cultura de subsistência e comercializavam os excedentes produzidos em terra própria ou em terra alheia e tinham um adversário comum, politicamente denominado pelas lideranças como ‘‘o latifúndio improdutivo e decadente”. As ligas foram movimentos independentes e avessos à colaboração com o Estado. Recusaram alianças e entendimentos, pois advogavam uma ‘‘reforma agrária na lei ou na marra”, uma estratégia politicamente enganosa, pois com isso o Estado reforçou a ação sindical em detrimento delas. Com tal posição, o Estado acabou enfraquecendo o movimento camponês que, fora de controle, radicalizou com atos considerados contra o Estado, resultando na prisão de alguns de seus membros e na concessão de maiores poderes aos sindicatos, estratégia do governo como forma de neutralizá-lo.

           Algumas lideranças acabaram como mártires e por isso alimentaram a sua mística. As lideranças tinham nível educacional mínimo, eram pequenos proprietários ou exerciam, intermitentemente, atividades artesanais, o que lhes permitia a autonomia de ação indispensável ao exercício da própria liderança. No plano nacional, o maior líder foi Francisco Julião, que aglutinou o movimento em torno do seu nome e de sua figura, reunindo estudantes, visionários, alguns intelectuais, além de Clodomir de Morais, advogado, ex-militante comunista e um dos organizadores de um malogrado movimento de guerrilha sediado em Dianópolis, Goiás, em 1963. As Ligas Camponesas foram um grito de alerta e de protesto que atraiu para Pernambuco a atenção do mundo e para seus núcleos mais expressivos visitas ilustres de diversos países. Julião se aproximou de Cuba, onde esteve em mais de uma ocasião.

            A desagregação do movimento se verificou em 1964, com a eliminação das organizações, mas não desarticulou as suas reivindicações básicas, que seriam incorporadas pelos sindicados rurais, ainda hoje ativos nas antigas zonas de influência das ligas. Naquele período não apenas o Brasil atravessava momentos de agitação, o fenômeno se registrava em toda a América Latina, causando preocupações tanto para as elites dominantes quanto para os Estados Unidos, que, finalmente, resolveram ajudar, com o Projeto denominado Aliança para o Progresso. Veja-se o que afirma Ferreira (1997, p.158):

           "Entretanto, no resto da América Latina, nos primeiros anos da década de 1960, o quadro não era tranquilizador para as elites dominantes e nem para os EUA. Assistia-se, em muitos países, a revoltas camponesas. Organizavam-se sindicatos rurais e exigia-se a reforma agrária. Nas cidades, as massas operárias, organizadas em sindicatos, gritavam slogans que assustavam a burguesia. Aos Estados Unidos, não interessava o surgimento de novos regimes comunistas no continente americano, o que ameaçaria seriamente os seus interesses econômicos e políticos. Para evitar isso, em 1961, o então presidente Kennedy elaborou e colocou em prática um projeto denominado Aliança para o Progresso. Esperava impedir o avanço do comunismo combatendo a pobreza. A Aliança para o Progresso consistia numa ajuda financeira americana para transformar a América Latina numa região industrializada, moderna e socialmente justa. Os Estados Unidos entraram com o dinheiro, mas os países beneficiados deveriam executar profundas reformas, especialmente no setor agrícola, de modo a aumentar a produção de alimentos."

            O clima político era propício para a intervenção militar, tendo em vista a preocupação americana com o crescimento de movimentos capazes de conduzir o país a um regime socialista, a exemplo do que aconteceu com Cuba. Os americanos tinham enormes interesses no Brasil, por isso, colaboraram com os militares no Golpe de 1964 e, ainda, contribuíram para que levassem à frente o crescimento do país, calcado principalmente na modernização da atividade rural.

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