sábado, 19 de outubro de 2013

AGRONEGÓCIO. A ÚLTIMA GRANDE CRISE QUE ABALOU PROFUNDAMENTE

"Obrigado ao homem do campo Pelo leite o café e o pão Deus abençoe os braços que fazem O suado cultivo do chão Obrigado ao homem do campo Pela carne, o arroz e feijão Os legumes, verduras e frutas E as ervas do nosso sertão" (Dom e Ravel)
            Nos primeiros anos da década de oitenta, ainda no governo do presidente Figueiredo, a economia brasileira começou a enfrentar sérias dificuldades. A crise que se abateu sobre o país afetou em cheio os produtores rurais, que passaram a contar com menos crédito e em condições menos favoráveis. A crise atingiu o seu ápice somente no governo do presidente Sarney, quando o produtor rural foi muito penalizado. Na ocasião, as suas dívidas, além de serem acrescidas de juros, eram atualizadas pela correção monetária, índice que superava o de valorização dos produtos agropecuários, que eram contidos pelas autoridades do governo como forma de evitar a inflação.

             Naquele período houve também muita escassez de recursos para a atividade rural. Os governos dos presidentes Sarney, Collor de Melo e Itamar Franco foram de poucas realizações no tocante à atividade rural. Nenhum deles, no entanto, prejudicou tanto o produtor rural quanto o presidente Collor, que extinguiu órgãos importantes para a implementação da política agrícola, cortou recursos para o setor e promoveu a abertura da economia, contribuindo para o empobrecimento e desestímulo de produtores. A sua política refletiu negativamente no Banco do Brasil, que resistindo dos problemas passados, necessitou de aporte de recursos no governo de Fernando Henrique Cardoso, sob pena de falir.

           O presidente Collor foi o primeiro civil eleito pelo povo depois de Jânio Quadros e após uma ditadura militar que durou mais de vinte anos. Destacou-se pela sua juventude, pela empolgação, pelo discurso de modernidade e pela promessa de combate à corrupção. Segundo Vicentino (1999, p.447): "Uma das palavras mais utilizadas por Collor desde a campanha eleitoral era ‘moderno’. Prometia modernizar o Brasil, e sua própria figura jovem, bem como a de alguns de seus ministros, forneciam um suporte a esse tipo de discurso. Por modernização, Collor entendia a diminuição do papel do Estado, o que incluía a defesa do livre mercado, a abertura para as importações, o fim dos subsídios e as privatizações. Em suma, uma adequação do Brasil à nova realidade do neoliberalismo mundial."

            O presidente Collor assumiu a direção do país em um momento extremamente delicado, quando a inflação atingiu um índice de 84% ao mês. Por esta razão adotou medidas radicais para debelar o processo inflacionário, congelando ativos financeiros de clientes nos bancos, extinguindo empresas estatais e ministérios, tabelando preços, demitindo funcionários e abrindo a economia. No tocante à política agrícola, o governo Collor representou um grande retrocesso, pois o Banco do Brasil, o maior aliado do produtor rural, teve o volume de recursos aportado pelo Tesouro ao crédito agrícola cada vez mais reduzido, em vista das restrições fiscais, representando, em 1991, apenas 17% do total previsto. O banco enfrentou sérias dificuldades, pois aplicou no crédito rural um volume de recursos superior ao disponível nas fontes, com o desvio de recursos destinados a outras atividades ou mesmo à captação adicional no mercado, a custos mais elevados. O governo Collor foi marcado por muitos problemas, questão que é objeto de apreciação importante por Silva (1999, p.79): "O início dos anos 90 foi profundamente marcado pelo ‘desmanche’ dos instrumentos de política agrícola (garantia de preços mínimos, estoques reguladores, redução do crédito agropecuário) promovido pelo governo Collor, juntamente com a significativa queda nos recursos (gastos) públicos destinados à agricultura (infra-estrutura, pesquisa agropecuária, assistência técnica, etc.). Além disso, houve uma abrupta abertura comercial, que trouxe sérios problemas para a agricultura nacional, na maioria das vezes impossibilitada de competir com produtos internacionais fortemente subsidiados nos seus países de origem. Além disso, a necessidade de controle da inflação tendeu a depreciar os preços mínimos, ao passo que os altos juros reais, típicos dos sucessivos planos econômicos, aumentavam bem mais os custos dos financiamentos, gerando descompassos que tiveram sérias repercussões nas atividades do banco."

            Houve um comprometimento da saúde financeira do Banco do Brasil e de muitos produtores manifestado nos anos seguintes, obrigando o presidente Fernando Henrique Cardoso a fazer um aumento no capital social do banco e securitizar as dívidas rurais, como forma de evitar a quebra do Banco e de muitos produtores. No governo do presidente Itamar não se fez muito em prol da agricultura, mas naquele período o país teve um pouco mais de tranqüilidade, porque além do apoio obtido no Congresso Nacional, a situação econômica dava alguns sinais de melhoria. Não no que se refere à inflação – que continuava escapando do controle – mas principalmente na questão da dívida externa. A economia voltou a crescer, atingindo, em 1994, uma taxa de quase 5%, o melhor resultado desde o início dos anos oitenta, excetuando-se 1986, o ano do plano Cruzado. O governo tinha necessidade de continuar priorizando o combate à inflação e um dos instrumentos utilizados foi a chamada ‘‘âncora verde”, que consistia em manter o câmbio defasado e acentuar os efeitos das importações, empurrando para baixo os preços internos, prejudicando, em contrapartida, os produtores brasileiros. O Banco do Brasil se ressentiu dos efeitos da política desastrosa do governo Collor e continuou sendo prejudicado, pois com os preços mínimos depreciados e as taxas de juros se mantendo altas, aumentavam os custos dos financiamentos, gerando descompassos, o que resultou em um volume excessivo de inadimplência com graves conseqüências para a saúde financeira da instituição.

            A recuperação dos negócios do campo começou ainda no governo do Presidente Itamar, que teve sensibilidade suficiente para com o setor e buscou maneiras para ajudá-lo a sair da crise. O governo do presidente Itamar Franco foi sensível às questões relativas aos pequenos agricultores, por isso que, atendendo reivindicações dos trabalhadores rurais e com base em estudos realizados conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação - FAO e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, que definem com maior precisão conceitual a agricultura familiar e, ainda, estabelecem um conjunto de diretrizes que deveriam nortear a formulação de políticas para esse segmento específico, criou o Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (PROVAP), que visava a financiar a agricultura familiar com condições mais acessíveis. O PROVAP passou por modificações e deu origem ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que hoje é um valioso instrumento de apoio à pequena agricultura. Sobre esse assunto, comenta Mattei (2002, p.02): "Porém, institucionalmente houve uma série de modificações até que o Programa atingisse o formato atual. Cronologicamente, nota-se que esse programa de mudanças na política agrícola teve início em 1994, quando o Governo Itamar criou o Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (PROVAP), cujo objetivo era destinar um volume de crédito com taxas de juros mais acessíveis aos agricultores familiares."

            Em 1994, quando foi criado o PROVAP, a agricultura familiar atravessava uma fase crítica, visto que naquela ocasião, além da escassez de recursos para esse segmento, não se fazia praticamente distinção entre o grande e o pequeno produtor em termos de condições. Ambos recebiam tratamentos idênticos no tocante aos prazos e às taxas de juros, salvo nas Regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, que dispunham de recursos do Fundo Constitucional. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, algumas medidas importantes foram adotadas, como o fortalecimento do Banco do Brasil e do Programa Nacional de Agricultura Familiar, o que se reverteu em alento e incentivo aos produtores. No seu governo, fez-se ainda a securitização e o alongamento das dívidas agrícolas. O presidente Lula continua mantendo o que foi feito no governo anterior e ainda tem usado outros instrumentos de política agrícola que estão se traduzindo em resultados concretos. Com a estabilidade da economia e a abertura do mercado, teve o produtor que se adaptar às novas exigências do mundo globalizado, por isso passou a desenvolver a atividade rural de forma mais profissional, preocupando-se com redução de custos e ganhos de produtividade, de modo a ter maior poder de competitividade. O crédito rural oficial foi reformulado para estimular uma participação maior do setor privado. As dívidas anteriores foram securitizadas e a estrutura governamental de apoio à comercialização passou por profundas mudanças com a criação de instrumentos mais modernos e menos intervencionistas. Na pesquisa agropecuária, foram adotadas várias medidas para torná-las mais afinadas com o mercado e mais objetivas, porque o crédito rural não era mais abundante como antes e porque não existia mais subsídio. Os recursos passaram a ser mais bem aplicados, o que assegurou o crescimento da produção e a melhoria a cada ano dos índices de produtividade, fazendo da atividade rural brasileira uma das mais prósperas do mundo.

            O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso teve o mérito de reformular o PROVAP e transformá-lo no PRONAF global, que se firmou como a principal política pública de apoio aos agricultores familiares. Sobre essas mudanças e a importância do programa, argumenta Mattei (2002, p.03): "No ano seguinte (1995), já no Governo Fernando Henrique Cardoso, o PROVAP foi totalmente reformulado, tanto em termos de concepção como em sua área de abrangência. Essas modificações deram origem, em 1996, ao PRONAF global. Desse ano em diante, o programa tem se firmado como a principal política pública de apoio aos agricultores familiares. Deve-se registrar, ainda, dois fatos importantes: primeiro, em 1995 apenas as ações relativas ao crédito de custeio foram implementadas. Segundo, a ampliação do programa para as áreas de infra-estrutura e de capacitação só ocorreu a partir de 1996, quando o PRONAF ganhou maior dimensão e passou a operar nacionalmente."

            A reformulação desse programa é, sem dúvida, uma grande realização do Presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo objetivo geral é propiciar condições para aumentar a capacidade produtiva, a geração de emprego e de renda, de tal forma a melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares. Para isso, foram definidos como objetivos específicos: ajustar as políticas públicas de acordo com a realidade dos agricultores familiares; viabilizar a infra-estrutura necessária à melhoria do desempenho produtivo dos agricultores familiares; elevar o nível de profissionalização dos agricultores familiares através do acesso aos novos padrões de tecnologia e de gestão social; estimular o acesso desses agricultores aos mercados de insumos e produtos. O programa vem sendo muito bem aceito pelos agricultores familiares, por isso há, para 2005, uma previsão de aplicação de recursos no segmento em torno de sete bilhões de reais.

           O governo do presidente Lula mantém os instrumentos de política agrícola do governo passado e, não só isso, é preocupado com a questão dos pequenos produtores rurais, pois com as Leis nº 10.696, de 2 de julho de 2003, e nº 10.823, de 19 de dezembro de 2003, fez um verdadeiro saneamento das dívidas dos agropecuaristas das Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país, que haviam se beneficiados em anos anteriores de recursos do Fundo Constitucional e não estavam conseguindo pagar suas dívidas. As medidas determinadas tanto facilitaram em termo de elastecimento de prazos para pagamento quanto com reduções que chegaram até 80% (oitenta por cento) do saldo devedor para aqueles que se dispusessem a quitar de imediato os seus débitos. O governo vem conquistando espaços no comércio internacional e, com isso, tem estimulado os grandes produtores que exploram atividades rurais voltadas para o mercado externo. Venceu duas ações históricas junto à Organização Mundial do Comércio - OMC, que aumentaram a pressão sobre a Europa e os Estados Unidos para eliminarem seus subsídios agrícolas. Segundo Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil: ‘‘há uma nova consciência própria que não existia antes. O Brasil estava na época em uma posição frágil e as condições não eram oportunas para o Brasil exercer um papel maior’’. Ele se referia ao tempo em que também ocupou o mesmo cargo. Em outra entrevista no Itamarati, em 2004, falando sobre a decisão da OMC, afirmou: ‘‘Agora nós temos um selo de qualidade: uma política econômica crível e política estável”.

            O atual governo tem mostrado sinais convincentes de que a atividade rural é uma das suas principais prioridades, fato que se confirma pelas diversas ações implementadas, destacando-se o enfoque dado ao financiamento da agricultura familiar. Tecendo comentários sobre o Ministro do Desenvolvimento Agrário, noticia o Jornal O Povo (2004, p.26): "Segundo ele, um milhão de agricultores recebem a linha de financiamento para custeio, dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da agricultura Familiar (Pronaf), com uma taxa de inadimplência de apenas 2%. Este ano, serão investidos R$ 5,8 bilhões em agricultura familiar. Rossetto informa ainda que os recursos destinados para a compra da produção de agricultores familiares para o Programa Fome Zero irão saltar de R$ 180 milhões, este ano, para mais de R$ 300 milhões em 2005."

            O Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), que por razões diversas havia sido abandonado, está sendo reativado com excelentes perspectivas de sucesso. Existem algumas dificuldades a serem superadas pelo governo, pois a malha rodoviária, além de ainda ser relativamente pequena em relação à dimensão territorial, a atual depende de grandes investimentos para a sua recuperação. A malha ferroviária, que poderia ser uma boa alternativa para o transporte da produção, é diminuta e os portos, por onde passa toda a exportação do país, não oferecem as adequadas condições de uso. Tudo isso, como se verifica, são fatores que enfraquecem o poder de competitividade do Brasil no mercado internacional.

            O governo, no entanto, já aprovou no Congresso Nacional o plano de Parceria Público-Privada, uma alternativa para o equacionamento de questões importantes relativas à infra-estrutura do País, como bem se conclui da matéria disponibilizada no site da Com Ciência – Transporte (2005, p.03): "O governo federal já busca o apoio da iniciativa privada para solucionar a ineficiência do sistema de transportes no Brasil. O plano de Parceria Público-Privada pretende investir R$ 13,68 bilhões em 23 projetos de reformas em rodovias, ferrovias, portos e canais de irrigação até 2007. Segundo Marisa Regitano d’ Arce, professora do departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq/USP, ‘é necessário que os diversos setores da cadeia produtiva ajam de forma integrada, desde a origem até as unidades armazenadoras, recepção no porto e operações de frete de retorno, que reduz o custo do transporte’."

            Como se verifica, apesar de muito grave o problema de infra-estrutura, vislumbra-se uma perspectiva de solução. Há, pelo menos, uma clara intenção do governo de equacionar essa questão, porque, como se sabe, é um grande entrave para o comércio internacional, do qual o país é extremamente dependente.

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