domingo, 10 de novembro de 2013

A CONSTITUIÇÃO DE 1969 E A CONSOLIDAÇÃO DO REGIME MILITAR

"Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor, engolir a labuta Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue" (Chico Buarque)
Com a Emenda no. 01 à Constituição de 1967, por muitos tida como uma nova Constituição, o Regime Militar definitivamente consolidou-se. A aludida emenda, que reformulou inteiramente a Constituição de 1967, foi outorgada por uma junta militar, cujos membros eram os Ministros Militares – Exército, Aeronáutica e Marinha -, que usaram das prerrogativas que lhes foram conferidas pelos Atos Institucionais nos. 05 e 06. Com a entrada em vigor da Carta reformulada, o que se verificou em 30 de outubro de 1969, reabriu-se o Congresso Nacional, que elegeu, no dia seguinte, o novo Presidente da República, o General Emílio Garrastazu Médici, e o novo Vice-Presidente, o Almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald, indicados pelas altas autoridades militares do Governo revolucionário, cujos mandatos se estenderam até 15 de março de 1974. Com a Emenda de 1969, elevou-se a duração do mandato de Presidente da República para cinco anos; deu-se competência ao Presidente da República para fazer cessar a vigência de dispositivos constitucionais mediante decretos; definiu-se que seriam indiretas as eleições para governadores dos Estados de 1970; admitiu-se a pena de morte, prisão perpétua, banimento ou confisco, para os casos de guerra revolucionária, subversiva ou psicológica adversa; supressão da prerrogativa do Vice-Presidente da República de presidir o Congresso Nacional; reestruturação geral do Poder Legislativo, na sua composição e no seu funcionamento; ampliação da faculdade atribuída ao Executivo para legislar por decretos; redução das exigências para formação de novos partidos políticos; e competência conjunta do Senado e Câmara dos Deputados para a votação do orçamento.
No governo do presidente Médici, a economia brasileira experimentou um dos maiores crescimentos da história. Naquela época, o país investiu em grandes obras e houve abundância de dinheiro para a atividade agropecuária. Em decorrência disso, ficou conhecido como o período do “Milagre Econômico”, fato que concorreu para neutralizar o impacto do endurecimento do Regime, já que, para muitos historiadores, aquele foi o período mais dramático da ditadura militar. Apesar da reconhecida dureza do Regime Militar, notadamente depois da sua consolidação, os trabalhadores rurais experimentaram grandes conquistas, fato louvável em todos os sentidos.
No bojo das preocupações dos militares no tocante às questões relativas ao campo, a que teve maior alcance social foi, sem dúvida, o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), instituído pela Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971, que consistia na prestação dos seguintes benefícios: aposentadoria por velhice; aposentadoria por invalidez; pensão; auxílio-funeral; serviço de saúde; serviço social. Nada era mais degradante de que a situação do trabalhador rural no Brasil antes da aludida Lei, tendo em vista que trabalhava até quando a saúde permitia e, depois, na velhice, quando mais carecia de meios de sobrevivência, ficava na dependência de parentes que, quase sempre, não dispunham de condições para lhe proporcionar uma existência digna. No meu entender, muito embora não seja reconhecido por muitos, o PRORURAL teve alcance social superior ao que se tem hoje com o Bolsa Família. É verdade que, de início, o benefício era de apenas metade do que se paga atualmente, mas foi partindo desse ponto que a sociedade foi tomando consciência da importância da medida e, graças às pressões dos movimentos sociais, o trabalhador rural adquiriu a condição de segurado especial, fato consagrado na Constituição de 1988, tendo, doravante, pelo menos, o necessário para sobreviver em caso de doença e na velhice, quando não mais pode trabalhar. Neste País, nenhuma medida tomada até os dias atuais teve maior alcance social do que o PRORURAL. É louvável a sensibilidade que teve o Constituinte de 1988 ao inserir na Constituição dispositivo que deu ao trabalhador rural essa condição de segurado especial, proporcionando a milhares de idosos e inválidos, que foram trabalhadores rurais, condições para viverem com relativa dignidade, em função de benefícios que percebem da Previdência Social. A falta de uma legislação trabalhista que amparasse o trabalhador rural foi sem dúvida uma das maiores injustiças corrigidas pelos governos militares, o que, por razões diversas, não encontrou guarida em nenhum outro governo, nem mesmo no de Getúlio Vargas, que se intitulou como “o pai dos pobres”. Em razão disso, o problema perdurou por muito tempo, mesmo depois de ter sido instituída para o trabalhador urbano. Esse problema, mesmo que com algumas incoerências em relação ao que dispõe a CLT, acabou sendo regulamentado pela Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e o Decreto nº 73.626, de 12 de fevereiro de 1974. Não era concebível que uma classe tão importante no contexto social do país ficasse eternamente esquecida e desamparada, sendo espoliada pelos latifundiários, como se verificou ao longo de vários séculos.

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