O acesso às terras no Brasil sempre se processou de maneira desigual,
evidenciando a influência do poderio econômico dos grandes
latifundiários. É um problema com raízes profundas na história
brasileira, desde o período da colonização. Inicialmente, com a posse da
terra Brasilis pelos portugueses.
Posteriormente, na tentativa de colonização, foi implantado o sistema de
capitanias hereditárias, cuja distribuição de terras foi feita em forma
de doações a portugueses que tinham grandes posses. Essa má
distribuição das riquezas do campo tem trazido sérias consequências, em
grande extensão ao longo do tempo, haja vista a triste constatação de o
Brasil ocupar uma posição de destaque entre os países que atualmente
apresentam o maior desequilíbrio social.
É grave a questão fundiária no Brasil e de difícil equacionamento,
porque é na grande propriedade rural que se produzem as supersafras de
grão e vivem os grandes rebanhos bovinos, indispensáveis para manter o
volume de exportação e alimentar a população dos grandes centros
urbanos.
Os latifundiários, além do poder
econômico, sempre detiveram também a força política, razão das
dificuldades de se levar à frente um projeto consistente de reforma
agrária. Pode-se afirmar que a Constituição brasileira de 1946 foi a
primeira que apresentou uma proposta de reforma agrária, vinculando o
uso da propriedade ao bem-estar social e prevendo a indenização em
dinheiro para as terras desapropriadas. Comenta Strazzacappa (2006,
p.38):
"É com a Constituição de 1946,
promulgada no governo de Eurico Gaspar Dutra, que surgem as primeiras
propostas de reforma agrária, condicionando o uso da propriedade ao
bem-estar social. Estava assim retomado o princípio da função social da
propriedade. Vislumbrava-se a execução de uma reforma agrária, uma vez
que essa Constituição dispunha sobre a necessidade de desapropriar
terras, atendendo aos interesses sociais. Previa até indenização em
dinheiro para as terras desapropriadas."
A
reforma agrária prevista na Constituição de 1946 não avançou em sua
proposição, pois o governo, aproveitando-se do pretexto da indenização
em dinheiro para o pagamento das terras desapropriadas, alegava falta de
recursos do Tesouro para realizá-la. No governo do presidente Goulart,
houve uma retomada do tema reforma agrária com a alteração do art. 147
da Constituição de 1946 e a sanção do Decreto nº 4.132, que definia os
casos de desapropriação por interesse social. Adotou também outras
medidas importantes ao determinar que a Superintendência Nacional da
Reforma Agrária – SUPRA incorporasse o Instituto Nacional de Imigração e
Colonização – INIC, o Conselho Nacional de Reforma Agrária – CNRA e o
Serviço Social Rural – SSR.
A reforma
agrária no Brasil é na verdade um enorme desafio. Há os que entendem que
é temerário desapropriar uma propriedade produtiva para entregá-la ao
pequeno lavrador, sem meios para assegurar o mesmo volume de produção de
antes, comprometendo desse modo a economia do país. Segundo esses
entendidos, deve-se encontrar uma solução que concilie a convivência da
agricultura comercial ou de exportação com a agricultura familiar ou de
subsistência.
Os governos militares queriam
povoar a Amazônia. Em 1971, no governo do presidente Médici, foi criado o
PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à
Agroindústria do Norte e do Nordeste, como uma tentativa de fazer-se uma
reforma agrária através de financiamento com prazo longo e condições
favoráveis. Tentou-se também a implantação de alguns projetos de
colonização, chamados de agrovilas, às margens de rodovias federais.
Para melhor realçar a matéria, é importante apresentar um comentário
sobre as agrovilas do projeto de colonização às margens da
Transamazônica, feito por Adas (2004, p.192):
"Como projeto de assentamento rural, elas poderiam ter sido
bem-sucedidas. Entretanto não apresentaram os resultados esperados, pois
enfrentaram uma série de problemas: insuficiência de assistência médica
e escolar, dificuldade em escoar a produção e até mesmo despreparo de
muitos colonos em trabalhar a terra. Esses fatores desestimularam o
desenvolvimento das agrovilas. Muitos colonos abandonaram suas casas e
lotes, alugando-os para migrantes sem terra que chegavam à região."
Como se verifica, fracassou essa tentativa de povoamento da região e de
reforma agrária, não por culpa do colono, mas por falta de condições
necessárias para a sua fixação no local. Frustrado esse propósito, o
Governo tomou a iniciativa de incentivar o povoamento da região através
da instalação de mega-empreendimentos com muitas facilidades de
empréstimos subsidiados, isenção de impostos e outros incentivos
fiscais. Sobre esses empreendimentos, é bom que se analisem as
observações de Adas (2004, p.193):
"Estimuladas pelas facilidades oferecidas pelo governo federal (isenção
de impostos, empréstimos de dinheiro a longo prazo e a juros baixos,
incentivos ficais), grandes empresas começaram a instalar projetos
agropecuários na Amazônia: Volkswagem (Companhia Vale do Rio Cristalino,
localizada no sul do Pará, abrangendo uma área de 140 mil hectares); a
Suiá-Missu (700 mil hectares, área quatro vezes maior do que a Baía de
Guanabara), fundada pelo Grupo Ometto (80%) e Ariosto da Riva (20%),
vendida posteriormente ao grupo italiano Liquifarm; a Companhia de
Desenvolvimento do Araguaia – Codeara (600 mil hectares, de propriedade
do Banco de Crédito Nacional, da família Conde); e muitos outros,
pertencentes a diversos grupos – Bradesco, Bamerindus, Tamakavy (rede de
lojas de Sílvio Santos), Sadia, Camargo Corrêa, Frigorífico Atlas (de
que participam empresas alemães), Drury’s Amazônica S.A
(norte-americana), Projeto Jarí (1,5 milhão de hectares pertencente
durante anos ao milionário norte-americano Daniel Ludwig); Geórgia
Pacific (500 mil hectares), Toyomenka (300 mil hectares), etc. São
propriedades de dimensões gigantescas, maiores que alguns estados
brasileiros e muitos países."
É inegável que
os governos militares investiram muito na atividade rural, porém no
período em que estiveram no poder não realizaram uma redistribuição de
terras como prometiam, conforme prevista na Lei do Estatuto da Terra e
no PROTERRA, agravando o problema da concentração de terra nas mãos de
uma minoria privilegiada.
A má distribuição de terras é um problema nacional. No entanto, no
Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte, a situação é bem mais grave.
Contraditoriamente, com o Programa de Redistribuição de Terras e de
Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – PROTERRA, criado em 1971,
no governo do presidente Médici, cujo fim era uma reforma agrária via
financiamento, resultou em um efeito inverso, visto que a situação da
concentração de terras fora agravada com essa medida. A expansão da
agropecuária na região Norte resultou no agravamento dos conflitos de
terra, fato que é tratado por Adas (2004, p.193):
"A chegada dos grandes projetos agropecuários (e também minerais) na
Amazônia representou uma grande destruição do meio ambiente, além de
acirrar os conflitos de territorialidade, ou seja, a disputa por
territórios. Esses conflitos representam o choque de interesses das
partes envolvidas na ‘ocupação’ recente da Amazônia, ou seja, as grandes
empresas agropecuárias e minerais, os trabalhadores sem-terra, os
pequenos e médios proprietários, os posseiros, os garimpeiros, os
indígenas, os grileiros, os seringueiros e os castanheiros."
Os governos militares, visando ao povoamento da Amazônia, idealizaram
os projetos de colonização à margem das rodovias federais com incentivos
financeiros. O Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à
Agroindústria - PROTERRA, no entanto, além de financiamentos para
aquisição de terras, dispunha de várias outras linhas de créditos com
subsídios e condições de pagamento favoráveis, fato esse que despertou a
cobiça de grandes produtores e grupos empresariais, os quais buscaram
formar grandes fazendas, expulsaram os pequenos lavradores e posseiros
da região e agravaram o problema da má distribuição de terras. O mais
grave de tudo é que essas questões ainda estão longe de ser resolvidas,
pois recentemente, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, vários
conflitos se verificaram, fato que também é relatado por Adas (2004,
p.197):
"No início do primeiro mandato do
presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), a questão ficou
obscurecida pela política de estabilização da economia e combate à
inflação, representada pelo Plano Real. Entretanto, não tardou para que a
questão do acesso à terra retomasse um lugar de destaque,
principalmente após as violências policiais manifestadas contra
trabalhadores rurais em Corumbiara (Rondônia) e Eldorado de Carajás
(Pará). Em 1995, em Corumbiara, a polícia agiu com violência numa ação
de despejo em um acampamento de sem-terra, provocando várias mortes. Em
abril de 1996, em Eldorado de Carajás, a intervenção policial para
desbloquear uma estrada ocupada por trabalhadores rurais causou a morte
de 17 pessoas. Institucionaliza-se, assim, a intervenção policial como
forma de repressão de movimentos sociais no campo, legitimada, agora,
pelo Estado, quando tradicionalmente isso ocorria por meio de milícias
particulares mantidas por grandes proprietários rurais."
A agricultura comercial continua economicamente em expansão, no
entanto, provocando conseqüências desastrosas para o meio ambiente e
para os pequenos lavradores, que são expulsos das suas terras. No Acre a
seringueira e a castanha-do-pará estão sendo derrubadas para ceder
lugar à abertura de fazendas, problema que resultou no assassinato, em
1988, do líder seringueiro e ecologista Chico Mendes, porque não se
conformando com a destruição desordenada de árvores e o massacre de
índios, resolveu levantar a bandeira em prol da preservação das matas.
Este tema está comentado em matéria disponibilizada no ‘‘site” da
Fundação Joaquim Nabuco (2005, p.02):
"Por
outro lado sua perseverança em proteger o meio ambiente e as espécies
nativas da região, despertou o ódio dos grupos de fazendeiros e empresas
que insistiam na exploração e na devastação da floreta. Durante todo o
ano de 1988, Chico Mendes sofreu ameaças de morte e perseguições por
parte de pessoas ligadas a partidos políticos e organizações
clandestinas destinadas a exploração desregrada da região. No dia 22 de
dezembro de 1988, após inúmeros conflitos, intrigas, levantes e
movimentos sindicais, o sindicalista e ecologista Chico Mendes teve a
sua vida ceifada por mãos criminosas, passando a ser a 97a. vítima na
lista dos trabalhadores rurais, assassinada durante o ano de 1988, por
lutar pelos seus direitos, como também pela preservação ambiental da
Região Amazônica."
A morte de Chico Mendes
teve enorme repercussão em todo o país e internacionalmente, porque foi
ele covardemente assassinado ao defender uma causa das mais nobres. No
Pará, os conflitos agrários também são intensos. As madeireiras
representam hoje um grave problema para o Estado. Lá são constantes os
atritos com os índios e pequenos agricultores. Há um interessante
comentário de Campos no Jornal O Povo (2005, p.06):
"A morte da missionária católica americana Dorothy Mãe Stang, de dois
sindicalistas, e de uma quarta pessoa possivelmente como ‘queima de
arquivo’, em menos de 72 horas no estado do Pará, põe em alerta o
Governo Federal pelas conseqüências que os assassinatos possam vir a
causar. O clima na região é tenso, e pelo menos 40 líderes de movimentos
sociais e trabalhadores rurais estariam jurados de morte por grileiros e
fazendeiros da região."
Esses
conflitos vêm sendo alimentados de longa data, apenas aflora com mais
intensidade em algumas ocasiões. Outro caso que teve grande repercussão
foi o de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, ocorrido em abril de
1996, quando se verificaram várias mortes em um confronto entre
policiais e trabalhadores rurais sem-terra acampados.
A política agrícola até então adotada no Brasil é muito controvertida:
se por um lado tem apresentado bons resultados no que diz respeito ao
volume produzido e trazido divisas para o país, por outro é excludente,
por isto está havendo, no momento, uma acentuada preocupação de setores
da Igreja com o avanço do plantio de soja e da criação de gado em
Rondônia. Esse problema foi relatado por Bassegio (2004, p.01-02):
"Como se tudo isso não bastasse, as famílias do sul de Rondônia, no
eixo Vilhena-Ji-Paraná, estão agora ameaçadas pelo avanço do plantio da
monocultura da soja mecanizada e tecnificada. O que está acontecendo?
Grande parte das famílias deixaram de se dedicar à agricultura e
passaram a se dedicar à agropecuária. Entretanto, segundo dados
divulgados pela II Assembléia dos Bispos da Regional Noroeste (RO, AC e
sul do Amazonas) o cultivo da soja rende 1000% a mais por hectare do que
as pastagens extensivas, gera mais empregos e paga melhores salários.
Qual é o problema então? Segundo a CNBB ‘é a valorização das terras, ou
seja, os produtores de soja compram ou arrendam as terras ocupadas pela
agricultura familiar, depois pelas pastagens, por elevado preço, o que
motiva a recriação das áreas de pastagens em raio maior’. Os pecuaristas
capitalizados ocupam outras áreas de florestas o que provoca um novo
ciclo de desmatamento."
A preocupação da
Igreja é totalmente procedente. Experiências anteriores confirmam que,
quando isso acontece, as famílias de pequenos produtores são
pressionadas para venderem as suas terras ou simplesmente são expulsas
para cederem espaço para os grandes produtores. Com isso agrava-se cada
vez mais o problema da concentração das riquezas do campo em detrimento
do pequeno produtor.
Roraima tem solos que favorecem o cultivo de várias culturas. É um
Estado onde foram implantados vários projetos de colonização, mas, por
diversas razões, dentre as quais as questões relativas a estradas e
acesso a crédito bancário e assistência técnica e extensão rural, muitos
colonos estão desestimulados e abandonando os seus lotes. O garimpo e a
expansão da atividade rural há anos estão agravando a questão indígena
no Estado. É o Estado que tem a maior população de índio do país, por
isso, também, é lá onde se registram os maiores problemas relacionados
com conflitos indígenas. Sobre os conflitos indígenas em Roraima, é
interessante analisar artigo disponibilizado na Internet, de autoria de
Baumer (2005, p.01):
"A questão do índio é
mais delicada, e configura a maior polêmica na região. Não por acaso,
Roraima é a única Unidade da Federação a manter uma Secretaria de Estado
do Índio, comandada por um indígena da etnia macuxi, Orlando Oliveira
Justino. O foco do debate gira em torno da iminente homologação da
reserva Raposa Serra do Sol, área contínua já demarcada que pode varrer
da região do extremo norte de Roraima dois núcleos urbanos, uma estrada e
cerca de metade das lavouras de arroz do Estado."
Entre os vários protagonistas sociais nos conflitos de territorialidade
na Amazônia, os indígenas são os mais fragilizados pela ausência de
políticas públicas eficientes para resolver o problema. Em outros
Estados e regiões, os conflitos também são freqüentes. No Nordeste, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST tem destacada atuação
nos estados do Maranhão, Bahia e Pernambuco. Mato Grosso, no
Centro-Oeste, Minas Gerais e São Paulo, no Sudeste, além do Paraná e Rio
Grande do Sul, na Região Sul, também são palcos de muitos atritos.
Atualmente, as disputas por terras no Rio Grande do Sul tomaram
proporções alarmantes, tendo o Ministério Público decidido interferir na
atuação do Movimento, sob o argumento de que este estaria infringindo a
Lei nº 7.170/83, que define os crimes contra a segurança nacional e a
ordem política e social. Em razão disso, o MST denunciou na Organização
das Nações Unidas – ONU e na Organização dos Estados Americanos – OEA a
tentativa de “criminalização” dos sem terra, conforme notícia publicada
no site do MST e em jornais de circulação nacional.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, de há muito,
pressiona as autoridades brasileiras sobre o porquê de a política de
assentamento de trabalhadores rurais adotada, no momento, caminha em
passos muito lentos, não atendendo, desse modo, às expectativas dos que
necessitam de terra para trabalhar. As tentativas já realizadas no
sentido de redistribuir terras através de financiamentos também não
satisfizeram os anseios dos necessitados, daí porque a sociedade tem uma
sensação de que a reforma agrária brasileira é apenas uma ficção. A
vitória do presidente Lula nas eleições de 2002 reacendeu as esperanças
dos trabalhadores rurais sem terra, o que de certa forma motivou mais
uma enorme frustração, tendo em vista que neste governo o número de
assentados tem sido bem menor do que no governo anterior, que nos seus
oito anos de mandato distribuiu terras para cerca de 500 mil
trabalhadores rurais.